domingo, 1 de fevereiro de 2015

Você escreve poesia?

"Mas você escreve poesia? Como é que você faz?"

"Olhe, não sei se você entende bem por que alguém escreve poesia ou mesmo ficção, por que alguém faz arte."

"Não, não entendo. Ou melhor, acho que é para se expressar."

"Também, mas não é só isso. Talvez seja isso, se você expandir enormemente a abrangência do verbo 'expressar-se', para abrigar o verbo 'ser', o 'pensar', o 'sentir'."

"Tudo isso?"

"Tudo isso e possivelmente muito mais. Eu escrevo porque sinto uma vontade incontrolável. Fico algum tempo sem escrever, mas sempre pensando no ato. Acumulo minhas impressões, vivo, transformo, aproprio-me do que me acontece, do que vejo acontecer aos outros. Uma hora qualquer parece que há em meu cérebro um excesso a ser dito, tenho de escrever ou tudo que se acumulou vai transbordar de alguma forma, talvez até nalgum tipo de loucura, não sei. Escrever, para mim, é uma extensão natural do ato de pensar, de 'digerir' o que meu consciente e talvez meu inconsciente fizeram a partir de minhas experiências. Às vezes tenho a impressão que penso com os dedos. Minha compreensão do mundo é um processo criativo, inicia-se nos confins do cérebro, mas a verbalização consciente, a compreensão da compreensão acontece no ato de escrever. Eu psicografo a mim mesmo."

"Fascinante."

"Também acho. Mas não creio que isso seja exclusivamente meu, pelo contrário. Ainda faço isso muito primariamente. Preciso ler mais, aprender com os mestres, com quem transforma a compreensão em arte. Essa é a diferença entre quem escrevinha e quem escreve. Fazer arte é outra coisa. É pegar a argila e transformar num vaso cheio de beleza. A arte é um processo criativo altamente refinado. Refina-se o que a usina do cérebro produz."

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