domingo, 25 de janeiro de 2015

Desilusões de um americano, de Siri Hustvedt

Embora não tenha me arrebatado, o livro me agradou muito. Surpreendeu-me a descrição de uma família de origem norueguesa do meio-oeste dos Estados Unidos fazendo-me lembrar a descrição dos Buendia em Cem anos de solidão ou, ainda mais, da família Trueba de Casa dos Espíritos. Tenho a forte impressão que o realismo mágico latino-americano foi uma das influências literárias da autora.

Talvez seja o ambiente onírico que a obra às vezes assume, talvez a narrativa de diversos casos de psicoses, loucura, anormalidades. A falta de lógica dos sonhos e da loucura parece ser mais latina, o realismo fantástico é uma prosa na forma de sonho ou pesadelo. Ou delírio psicótico. A forma de Desilusões de um americano é convencional, mas o tema, a abordagem da loucura, dos pedaços de loucura na normalidade quotidiana, conferem um ar de realismo mágico ao livro. Há também, claro, a peculiaridade cortante das pessoas, há uma jamaicana mestiça, há um fotógrafo voyeur andando sobre os telhados, um psicanalista que vê fantasmas e sua mão que os pressente.

Acredito que talvez não tenha apreciado melhor o livro porque o li numa tradução bastante ruim, feita por um Rubens Figueiredo, para a Companhia das Letras. Faltou mais cuidado, uma revisão criteriosa, mesmo uniformização. Há vários exemplos de descuido e pressa, mas citarei dois que me irritaram: a palavra spade, um tipo de pá, usada na história para cavar uma cova, é canhestramente traduzida como espada; uma localização histórica de certa importância em momento climáticos do livro é traduzida como Morro Cortado, mas perto do final aparece sem tradução, Cut Hill. É uma pena. Recomendo a leitura no original em inglês.

Já que falei da tradução e como a fidelidade ao texto original é algo que me interessa enormemente, gostaria de me alongar analisando uma frase do livro que me incomodou por diversas razões. A certa altura, o protagonista relata um sonho sobre um tremor de terra. "Quando acordei, as paredes estavam começando a rachar e desabar". Minha primeira impressão ao ler a frase foi de que, ao acordar, Larsen percebeu que "as paredes estavam começando a rachar e desabar", como alguém que sonha com o som de um machado rachando lenha e, despertando, entende que batem à porta do quarto.

Sou levado a crer que há, ou deveria haver, certas convenções na comunicação escrita e que duas orações que se seguem convencionalmente indicam duas ações se sucedendo no tempo do texto. "Quando acordei, as paredes estavam começando a rachar e desabar." Estará assim no original ou o tradutor inabilidosamente desordenou a frase? Se a tradução for fiel ao original, quem estiver lendo em inglês será levado ao mesmo equívoco interpretativo que cometi? Terá isso sido uma ação deliberada da autora, uma piada para assustar os leitores? Considerando que o narrador seja confiável, eu teria escrito "As paredes começavam a rachar e desabar, quando acordei".

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