Sentei-me aqui
disposto a escrever um conto, uma peça qualquer de ficção de onde aflorasse
colorido meu talento literário, mas descobri, ao começar a digitar, que tenho
um sono imenso. Sim, minha arte é comprometida porque sou um homem exilado da
própria cama por filhos insones e assustados com a ancestral ameaça da noite
misteriosa - meus filhos têm um pouco de medo de escuro e, se acordam no meio
da noite, vão rapidamente para minha cama, de onde sutil e insistentemente me
deslocam, me expulsam. Depois de um dia árduo de trabalho, não resta energia
psíquica para criar uma obra de arte, resta sono.
Sou um pai
cuidadoso, assusto-me com a possibilidade de ser omisso, de que meus filhos,
crescidos, tenham mágoa de mim pela ausência, por não os ter ajudado nas
tarefas escolares, por não lhes ensinar o inglês. Sou completamente dominado
pela chantagem freudiana, pelo medo dos traumas de meus filhos. Prefiro,
conscientemente, ser um artista frustrado que um pai culpado. Sou um correto
cidadão cumpridor de meus deveres, o arquétipo do burguês comportado e
convencional. Recuso-me também, por sólidos e angustiados princípios, a gastar
o tempo de meu trabalho diurno a escrever sobre minhas inquietações literárias
e existenciais. O que me sobram são essas escassas horas noturnas, quando meus
filhos dormem e minha cara esposa não demanda minha distraída atenção.
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