O trabalho, a obra

"Professor, eu entendo perfeitamente seu argumento, mas assim como um intelectual pode criar uma obra intelectual, um homem de ação, mesmo um artesão, é capaz de criar uma obra significativa com seu esforço, com suas mãos. E eu acho mesmo que essa obra, ainda que física, sólida, pode dizer alguma coisa ao intelectual, talvez até inspirá-lo."

"Olhe, o que você diz faz mais sentido do que você pensa. Eu consigo antecipar qualquer coisa do que você dirá. Não discordo de você. Veja que a obra, por si própria, intelectual, física, artesanal, não significa muita coisa. A obra adquire significado ao conduzir ideias. O vazio do trabalho moderno é a ausência de significado. O ser humano, por mais simples, anseia por significado, mesmo que equivocado."

"O equívoco não seria uma questão de ponto de vista?"

"A verdade é uma questão de ponto de vista e cada homem procura sua verdade. A apatia dessa geração é a desorientação de não se saber sequer que há uma verdade a ser buscada e que essa busca é uma etapa essencial para se desenvolver a humanidade de cada um."

"E a questão da obra de cada um, do significado do trabalho?"

"O trabalho é um aspecto essencial da humanidade, principalmente quando trabalho e obra se confundem, se fundem. O artista em geral tem isso muito claro: seu trabalho, que é sua obra artística, é uma expressão e uma continuação de si mesmo. O trabalho como mero ganha-pão desumaniza-se, não significa nada, não completa a pessoa. Muita infelicidade vem daí. A escolha do trabalho, assim como a escolha de um companheiro de vida, é determinante das várias satisfações pessoais cujo conjunto continuado comporá a felicidade, que é uma propriedade emergente. Essa escolha feita com despreparo, quando ainda se está imaturo é perigosíssima. Escolhas mal feitas fazem os infelizes."